A Expedição pelo Brasil de 1817 à 1820

 

            Em 1815, o Rei da Baviera Maximiliam I. Joseph ordenou à Academia de Ciências de Munique que providenciasse uma viagem científica ao interior da América do Sul, certo das vantagens que esta viagem proporcionaria as ciências e à humanidade. Os escolhidos para tal empreendimento científico foram os acadêmicos o Zoólogo Dr. J.B. von Spix e o Botânico Dr. C. F. Ph. Von Martius. O plano inicial era partir de Buenos Aires por terra até o Chile, daí para o norte até Quito no Equador e, passando por Caracas ou México, regressar a Europa[1].

             As condições políticas e econômicas fizeram adiar a expedição. Esses entraves foram causados pela queda de Napoleão, apoiado naquele tempo pela Bavária, que após a guerra se encontrava em dificuldade financeira e sofria ainda com a fome. Pouco depois, com o anuncio de casamento da sua Alteza D. Carolina Josefa Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria, com S.A. Real D. Pedro de Alcântara, Príncipe herdeiro de Portugal, Brasil e Algarves, cria-se uma bela oportunidade para a realização de tal expedição. O Rei da Baviera presente em Viena à época do anúncio, resolve enviar membros de sua academia científica no séqüito da noiva e cientistas austríacos.

           A 28 de janeiro de 1817, os encarregados da expedição Spix e Martius recebem o aviso de seguir viagem quanto antes para Viena e daí para Trieste na Itália, de onde embarcariam para o Brasil. A Real Academia recebeu ordens para requisitá-los sobre problemas científicos diversos além de suas especialidades e também fornecer os instrumentos necessários para tais pesquisas. 

 O mapa acima foi retirado do livro “Brasilianische Reise 1817 – 1820: Carl Philipp von Martius zum 200. Geburtstag” de Jörg Helbig (1994) na  página 30.          

            

 Além da Zoologia e da botânica, especialidade de ambos, eles foram encarregados de pesquisar questões da física, geologia, geografia, topologia e climáticas. As faculdades de história e filosofia solicitaram o estudo das diversas línguas, folclore, mitos e tradições históricas e tudo aquilo que pudesse esclarecer o estado de civilização e histórico tanto dos povos indígenas como também dos outros povos encontrados durante a expedição[2].           

             Nove dias após o recebimento das ordens de viagem já haviam despachado todo o equipamento necessário, como livros, instrumentos e outros utensílios para Trieste[3] e, no dia seis de fevereiro de 1817 já estavam a caminho de Munique para Viena, aonde chegaram no dia 10 fevereiro. Na cidade imperial ainda conheceram os membros da expedição austríaca que contava com dois cientistas, o assistente do Museu de História Natural para Zoologia, e dois pintores.

            De Viena seguiram para Trieste no dia quatro março, de onde partiria a comitiva composta por duas fragatas, Áustria e Augusta, no dia dez de Abril para Gibraltar, onde se encontraram com a esquadra portuguesa que levava a S.A. D. Carolina Josefa Leopoldina. Somente no dia três de junho a comitiva pode partir de Gibraltar com destino ao Brasil, pois uma das Fragatas, a Augusta, sofrera sérias avarias durante a viagem de Trieste até lá devido a uma tempestade em alto mar, tendo esta que passar por grandes reparos em Veneza. Após quarenta e dois dias de viagem a comitiva atracou na Baia da Guanabara, mas somente na manhã do dia quinze os cientistas desembarcaram em Terras brasileiras[4].

           Os pesquisadores das duas comitivas alemã e austríaca deveriam partir juntos para a expedição no Brasil, mas devido a desentendimentos sobre a rota e como deveriam conduzir a viagem fez com que Spix e Martius decidissem seguir viagem sozinhos. A rota seguida por eles na viagem encontra-se na figura abaixo[5]

            A expedição partiu do Rio de Janeiro e passou pelos estados de São Paulo, Minas Gerai, Goiás, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Para e Amazonas. Depois da viagem pela Amazônia, em que fizeram parte da viagem separados, voltaram ao Pará de onde embarcaram para Europa após quase 10.000 quilômetros de viagem pelo Brasil.

Nesta expedição os pesquisadores levaram consigo para Europa milhares de espécies de plantas, animais e outros objetos etnográficos ganhados ou trocados com povos do Brasil, inclusive povos indígenas. A coleção é composta por 85 espécies de mamíferos, 350 aves, 130 anfíbios, 116 peixes, 2700 insetos, 6500 espécies de plantas e outros tantos objetos etnográficos obtidos de tribos indígenas do Brasil todo, destes, 17 são instrumentos musicais.

 

[1] SPIX, Johann Baptist von e MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Bra-sil: 1817-1820. Trad. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1968; 25 p. Vol 1. 

[2] HELBIG, Jörg. Et al. Brasilianische Reise 1817-1820: Carl Friedrich Philipp von Martius zum 200. Geburtstag. Schirn-Kunsthalle Frankfurt, 16. September bis 16. Oktober 1994 ; Staatliches Museum für Völkerkunde München, Dezember 1994 bis April 1995. 28 p.

[3] Cidade italiana situada no Golfo do mar Adriático é uma das mais importantes cidades marítimas da Itália.

[4]SPIX, Johann Baptist von e MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Bra-sil: 1817-1820. Trad. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1968; 262 p. Vol 1.

[5] HELBIG, Jörg. Et al. Brasilianische Reise 1817-1820: Carl Friedrich Philipp von Martius zum 200. Geburtstag. Schirn-Kunsthalle Frankfurt, 16. September bis 16. Oktober 1994 ; Staatliches Museum für Völkerkunde München, Dezember 1994 bis April 1995.  31p. 

Os pesquisadores

Johan Baptist von Spix, Zoólogo e pesquisador do Brasil nasceu no dia 9 de fevereiro de 1781 em Höchstad an der Aisch, filho do cirurgião e Senador Laurentius Spix. A morte prematura de seu pai deixou sua família em dificuldades e, com a ajuda de um tio ele chegou à escola da catedral de Bamberg aos 11 anos de idade. Após o ginásio estudou filosofia, concluiu o doutorado em 1801 e no mesmo ano começou os estudos em Teologia na cidade de Würzburg. Em 1803, sob influencia de Schelling, interrompeu os estudos em teologia e passou para medicina e ciências naturais. Em 1806 concluía o doutorado em medicina enquanto o príncipe herdeiro da Bavária era proclamado Rei Maximilian I. Joseph. Schelling foi chamado para assumir o cargo de secretário geral da Real Academia de Ciências da Bavária em Munique e levou consigo seu aluno Spix. Já em Munique, Spix ganha uma bolsa de estudos do governo real da Bavária para dar continuidade em seus estudos em diferentes cidades européias como Paris, Lê Havre, Dieppe, Marseille, Nizza e Nápoles. De volta a Munique em 1810, Spix é aceito como Adjunto na classe de matemática e ciências naturais na academia de ciências da Bavária e ao mesmo tempo fora confiado a ele a ordenação da Naturalienkabinett[1]. Em 1811 ele foi nomeado como Curador da “Coleção zoológica e anatômica” da academia e desligado do Naturalienkabinett. Em 1812, Spix visita, por ordem da academia de Erlangen, a coleção de Schreber que foi aluno de Lineu[2], para levá-la para Munique. Nesta ocasião Spix conhece Martius que fora aluno de Schreber, surgindo daí uma grande amizade. Spix faleceu em Munique no dia 13 de março de 1826 devido a complicações de saúde causada por doenças contraídas no decorrer da expedição[3].

Carl Friedrich Philipp von Martius nasceu no dia 17 de Abril de 1794 em Erlangen, filho do farmacêutico e professor honorário de Farmácia Ernst Wilhelm Martius. Em Erlangen ele freqüentou a escola e aos 16 anos começou os estudos em medicina formando-se doutor em 1814 aos 20 anos de idade. No mesmo ano expôs-se a Elevenprüfung[4] por iniciativa de Spix e Schrank e através desta já foi aceito na Academia de Munique em 1816 como Adjunto. Martius ficou responsável pela construção do novo Jardim Botânico de Munique. Para isto ele se qualificou com um trabalho de doutorado sobre plantas no Jardim Botânico de Erlangen. O rei Maximiliam I. Joseph se deixava guiar no Jardim Botânico pelo jovem Martius favorecendo assim a sua carreira[5]. Durante a Expedição, Martius transcreveu em partitura 14 canções indígenas, oito modinhas e um lundu, sendo este último o primeiro lundu de que se tem notícia. Além das músicas transcritas, ele também descreveu os contextos em que essa música era tocada de forma muito clara e detalhada. Ele deu continuidade a catalogação de tudo que foi levado do Brasil para Alemanha após a expedição. Martius faleceu em Munique a 13 de dezembro de 1868.

[1] Definição utilizada no séc XVIII para uma coleção de objetos do reino natural.

[2]  Botanico, Zoólogo e médico sueco nasceu em 1707 em Rashult e morreu em 1778 em Uppsala. Foi criador da “nomenclatura binomial” e da classificação científica, considerado o pai da taxonomia moderna.

[3] HELBIG, Jörg. Et al. Brasilianische Reise 1817-1820: Carl Friedrich Philipp von Martius zum 200. Geburtstag. 28 p.

[4] Elevenprüfung é uma avaliação final de curso. 

                                                [5] HELBIG, Jörg. Et al. Brasilianische Reise 1817-1820: Carl Friedrich Philipp von Martius zum 200. Geburtstag. 29 p.

Martius e a Música

 

            O seu amor pela música já foi despertado desde criança na casa dos pais e já era tido por músicos experientes como um ouvinte muito crítico. Martius ainda colecionava violinos antigos e se interessava por Luteria[1]. Ele foi amigo do compositor Ignaz Lachner que em 1851 dedicou-lhe um trio para piano viola e violino, o qual ele tocou com muita dedicação. Segue abaixo a nota que consta no livroBrasilianische Reise 1817-1820: Carl Friedrich Philipp von Martius zum 200. Geburtstag” na página 171 sobre o seu violino trazido por ele durante a expedição e sua musicalidade. No catalogo falta a foto do violino.

 

Violino

Leonhard Maussiell, Nürnberg 1718, Caixa de cravelhas com cabeça de Leão, verniz vermelho\marron, tamanho: 58,7 cm.

Museu nacional germânico de Nurnberg, emprestado por Klaus e Wolf Peter Martius. Este violino, em posse da família Martius desde 1794, foi levado por C.F.Ph. von Martius em sua viagem ao Brasil. Martius era um ótimo violinista, colecionava violinos e se interessava também por luteria. No Brasil ele também tocou para os índios: “O meu violino não causou qualquer efeito especial sobre eles e ainda os agradava mais através de arpejos barulhentos ou tempos longos e monótonos de estrofes rítmicas, até que eles finalmente estalavam com a língua e moviam os membros como que automáticos”.[2] (Helbig 1994) 

[1] Profissão que cuida da construção de instrumentos musicais.

[2]  HELBIG, Jörg. Et al. Brasilianische Reise 1817-1820: Carl Friedrich Philipp von Martius zum 200. Geburtstag. 171 p.